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Ultimato agora
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Numa noite de terca-feira, entre as dez e onze horas da noite, Maikon estava em casa, assistindo um filme de ação na televisão. No intervalo entre a primeira e a segunda parte, uma propaganda chama sua atenção:

Um jovem loiro e de olhos verdes coloca os fones que estão ligados a um celular, fecha os olhos e de repente está num grande show com uma galera super bonita, tiram uma foto self com o mesmo aparelho, no mesmo instante seus amigos de diversas partes do mundo curtem a foto recém tirada, uma linda garota, de cabelos lisos e pretos de olhos verdes e pele clara, baixa a foto em seu celular e monta um vídeo com a foto dos shows que ele postava acrescentando também shows em que ela esteve ao som de uma música em inglês. Segundos depois a cena corta para estes dois jovens  casando-se e tirando uma foto self da igreja e dos convidados. Tudo isto em vinte segundos.No vigésimo primeiro segundo uma tela de fundo preto aprecem letras coloridas voando por toda tela, escrevendo ULTIMATE NOW 10.000 , e uma voz grave com um fundo de uma música eletrônica diz :”Porque sua vida é agora”. Em seguida aparece o logo da empresa de tecnologias X-treme Mobile.

Maikon  achou tão fantástico o comercial que começou a devanear. E nestes devaneios lembrou-se do luxuoso prédio em que trabalhava no centro da cidade, ele prestava serviços de manutenção predial, conversava com alguns moradores mais velhos do prédio, que lhe davam desde um bom dia até um café ou um pedaço de bolo.Já os jovens que tinham a sua idade, por volta de vinte a vinte e cinco anos, sequer lhe dirigiam a palavra, quando o olhavam pareciam que viam um bicho ou coisa pior, vestiam-se com roupas de marca e tinham celulares de última geração, parecidos com o do comercial que assistia. Via garotas com rostos angelicais e corpos de modelos, quando ele sorria ao vê-las, se olhavam e começavam a dar risada em forma de deboche.

O devaneio durou tanto que já tinha perdido o fio da meada do que ocorrerá no filme. Resolveu então desligar a televisão e dormir.

No dia seguinte ele acordou com o barulho de seu celular, olhou para este e lembrou-se do comercial. Seu aparelho até que tinha bastante funções interessantes como câmera e mp3 player, porém o olhou com desdém, como se estivesse enjoado.  Levantou-se da cama e foi tomar um café que sua mãe que acordara mais cedo para preparar.

Morava com os pais, e com os dois irmãos mais novos, um estava cursando o último ano do ensino médio, com sonhos de poder ganhar uma bolsa em alguma faculdade, e outro na quinta série com graves dificuldades de leitura. Viviam em um apartamento de moradia popular na periferia da cidade.  Maikon ajudava nas despesas de casa. Mas também gastava com roupas de marcas, queria ficar parecido com os boyzinhos do prédio onde trabalhava, talvez uma tentativa de ser aceito, ou com “roles” em baladas ou bares. Era bem vaidoso, todo mês gastava com perfumes e cabeleireiro.Vezes deixava com seus pais menos de um terço de seu salário.

A elegância do rapaz era vista apenas no caminho de ida e volta do trabalho,ou seja, nas conduções super apertadas onde as pessoas estavam mais preocupadas em descer do ou entra no ônibus de que ver o outro. Ao começar o expediente vestia o uniforme e sentia que todo seu brilho era perdido novamente, por conta do pouco caso que as moças e rapazes de sua idade faziam dele. Via eles passando e comentando sobre o comercial que ele viu: “ Nossa você viu o novo celular da X-treme; "Negócio só falta fritar ovo”; “ Parece que vai lançar aqui no Brasil semana que vem”, “Caracas tenho que ter um desses”; “ Esse UN 10.000 é show hein”. Formou-se então a resolução na mente de Maikon: “Tenho que ter este celular!”.

Sabia que o modelo seria lançado no sábado da outra semana, o que era muito bom para ele pois coincidia com a semana de pagamento. Tudo que teria que fazer era segurar o dinheiro no banco até sábado e ir a um shopping, isso já seria a oportunidade perfeita para ele fazer um rolê, desfilando uma camisa nova que comprara no dia do vale.

Quando chegou o dia do lançamento do UN 10.000, as lojas da X-treme estavam lotadas. Maikon fez questão de acordar  cedo, pelo menos cinco horas antes do shopping abrir, pois fazia questão de ser um dos primeiros a ter este aparelho, não só no bairro onde morava, mas também no bairro onde trabalhava, seria como uma espécie de vingança  contra os rapazes e moças que moravam no prédio onde prestava serviços.

Quando a loja abriu, os vendedores pediram para que formassem uma fila em ordem de chegada, esta foi formada, quase chegava à entrada do shopping, barrando frente de muitas outras lojas. Foram duas horas até chegar a vez de Maikon.

A moça da loja o abordou com um sorriso:

-Em que posso ajudá-lo?

-Queria um X-treme UN10.000...

- Bom... Vou verificar os estoques, pois bastante gente veio aqui por causa dele.

Passados dez minutos a moça veio com uma caixinha e sorrindo disse:

- O senhor está com sorte, este é um dos dez últimos, se tiver muita gente na fila por causa dele infelizmente só chegará mais deste produto daqui a quinza dias.

Maikon viu o preço, era mais de três vezes o valor do salário que ele ganhava no prédio, mas não poderia deixar para outro momento, pois desse modo não seria o primeiro no prédio a tê-lo. Perguntou se a moça fazia crediário, pois não tinha cartão de crédito. A moça pediu dois telefones para referência, ele deu o de casa e de um amigo, em seguida pediu um holerith recente e o telefone de onde trabalhava. Após um processo, consultando o nome do rapaz na praça, o crediário foi liberado: uma entrada e mais dez parcelas com um acréscimos de juros de seis  por cento sobre o valor do produto, e um encargo de dez por cento caso atrasasse  o pagamento.

Maikon saiu feliz da vida fuçando em todas as funções do aparelho. Ligou o som alto para ver a qualidade do auto falante, ficou maravilhado, mas na mesma hora o guarda do shopping pediu para que ele não ligasse o aparelho em volume alto no shopping. Pela própria intenet do aparelho baixou as músicas que mais gostava, acessou suas redes sociais, foi ao banheiro  e tirou uma foto do espelho que o mostrava segurando o UN10.000. Passados cinco minutos conferiu e já tinha pelo menos cinquenta visualizações.

Fazia questão de exibir seu novo aparelho. Sentia-se mais seguro, parecia que haviam mais garotas olhando para ele, se sentia uma rei com o aparelho em mãos. Ficou no shopping até umas dez horas da noite. Cansado. porque tinha acordado cedo, resolveu então ir para o ponto de ônibus para voltar para casa.

Dois indivíduos se aproximam de Maikom, um deles diz:

-Fica na moral playboy, passa o celular se não a gente pica a bala em você.

Maikon sem reagir entrega o celular,os dois fogem,  e  revoltado,fica esperando o ônibus.