Mais dia comum na cidade, a não ser é claro pela greve dos transportes públicos, talvez a mais caótica de todas, tudo estava parado: táxis, ônibus, trens, aviões. Tudo! E como ficam as viagens de negócios? O capital não pode parar! É preciso que isto pare agora, ou melhor é preciso que comecem a andar.
A mídia anuncia que eles querem um aumento de oitenta e nove por cento no salário, mais a inclusão de plano de saúde e odontológico estendido a familiares dependentes e cachorros e benefícios extras. Dizem ainda que são irredutíveis e que não se abrem para negociações.
Nas redes sociais um monte de gente começa a xingar os grevistas dizendo que é sacanagem, palhaçada que é tudo um bando de vagabundos, trouxas e outros insultos que minha educação não permitem escrever... Mas é de filha da puta para mais baixo... E claro todos seguidos com muitas hashtags.
Os donos das empresas anunciam demissões em massa se a greve não for interrompida. Os sindicatos anunciaram duas vezes o fim das greves. Mas os trabalhadores eram irredutíveis se não tivessem suas solicitações atendidas não voltariam a trabalhar e não seria o sindicato quem definiria o fim deste processo.
As solicitações dos trabalhadores não estavam relacionadas ao que a mídia anunciava. Queriam realmente um aumento salarial, pois o que houve não acompanhava sequer a inflação. Além disso queriam um plano de carreira para todos os setores. Ainda exigiam mais investimentos e a contratação de novos funcionários visto que os que tinham eram insuficientes para suprir as necessidades da população da cidade, de modo que ficavam sobrecarregados e constantemente eram desrespeitados por passageiros incompreensíveis.
Eram liderados por um homem chamado Arthur, formado em direito, trabalhava numa das principais ferrovias da cidade, era bilheteiro, já fazia dez anos. Almejava por uma posição de destaque , fizera concursos internos para subir de cargo pelo menos cinco vezes. Não foi por falta de estudos que não passou, pois era um bom aluno quando estudava, e continuava estudando sempre, mas por algum motivo sempre alguém que tinha ligações familiares ou amigáveis com os administradores conseguiam o cargo desejado por ele em menos de seis meses de ingresso.
A greve não começou com uma simples ordem de Arthur, era um cara simples, tinha família, tentava dar a melhor educação para seus filhos dentro do possível. Foi um processo que levou anos para ser elaborado.
Tudo começou na última vez que ele fez a tal prova para subir de cargo e percebeu que de nada adiantaria mais se matar de estudar para esta prova que sempre haveria um amigo dos administradores que tomaria seu cargo tão desejado. Arthur criou um blog com a ajuda de seu filho mais velho e começou a convidar seus amigos para debaterem sobre os direitos deles.
Em menos de um ano o blog de Arthur já possuía mais de mil visitantes, e para sua surpresa não apenas das ferrovias das cidades, mas visitantes de aeroportos, rodoviárias, terminais urbanos de ônibus, taxistas. Percebiam que a maioria estava em situação de trabalho ilegal, ou ganhando bem menos do que em outros países. Já não era capaz sozinho de administrar o blog juntou um grupo de amigos do tempo da faculdade.Lutavam na forma da lei por regulamentação de todos os ramos do transporte, mas a lei naquela cidade era feita pelos donos dos transportes que eram aliados dos políticos. Decidia então recorrerem aos sindicatos, mas estes na maioria das vezes eram comprados pelos empresários contra quem lutavam.
Quando começou a falar em greve total no blog, já tinham se passado dois anos de criação da página. De fato temia que alguns ainda houvesse os pelegos que iriam trabalhar por suas necessidades, mas para a surpresa dele todos pararam, pois tinham confiança em Arthur que através deste canal conseguia grandes vitórias para a categoria. Prepararam-se para os dia sem pagamento, liquidaram suas dívidas antes de começarem a greve.
A greve já durava quinze dias e ninguém chegava a nenhum consenso. Os trabalhadores dos transportes sabiam que todos estavam odiando a situação, pois a mídia os massacrava, as redes sociais os ridicularizavam, mas seus amigos e familiares os apoiavam, sentiam-se fortes na renúncia, achavam que seriam lembrados como heróis quando saíssem vitoriosos.
De tanto a mídia especular encontraram as informações de que o cabeça da greve era Arthur, imploraram para que ele desse uma entrevistas, ele a concedeu mediante a um contrato elaborado por ele de que nenhuma de suas falas seria editada. Aceitaram, afinal isto geraria audiência, e seus patrocinadores pagariam mais pelo horário. Foi televisionado as seguintes palavras de Arthur:
“Pessoas, os transportes de todos os jeitos sempre foram ruins, a greve não tira o direito de vocês, não aceitem a migalha que estes senhores jogam, é mais que possível se investir em qualidade de transporte e valorização do profissional, sempre foi possível, mas isso ia tirar uns milhões a menos destes senhores. Vocês minha gente vivem com menos de um milésiomo do que esta gente vive, porque não podem baixar só um pouco o padrão de vida deles em prol de um transporte decente.”
Após esta entrevista as críticas nas redes sociais tiveram uma gigantesca queda, e o número de pessoas que curtiam e compartilhavam este ato aumentava dia a dia.
Os Administradores decidiram ter uma conversa então com Arthur a fim de negociarem. Ele aceitou. Para sua surpresa além dos administradores dos transportes estavam: políticos, repórteres com suas câmeras e microfones desligados e a polícia.
- Esta vendo com quanta gente está mexendo senhor Arthur?- Diz um homem de terno cinza e gravata vermelha, com bigode, que fumava um charuto cubano
Intimidado, perguntou:
- Não vamos negociar?
-Negociar?... – Diz o mesmo homem – Com o poder ninguém pode!
Dois dos policiais que estavam na sala o seguraram, um terceiro tapou sua boca com um silver tape, o amarrou. Outros dois apontavam suas armas com silenciadores para sua cabeça.
-Sabemos onde seus filhos estudam, onde mora, sua rotina... – Dizia o mesmo homem com o charuto – Vamos dar um aumento de cinco por cento além do que já foi oferecido, e a greve vai acabar, você entendeu?
Arthur balançava a cabeça afirmativamente deixando lágrimas correrem pelos olhos.
- Nunca vai falar do que houve aqui.
No dia seguinte todos os transportes voltaram a suas atividades. Arthur colocou uma última frase em seu blog : “Com o poder ninguém pode” e depois o desativou. Um mês depois foi morto num assalto a bilheteria onde trabalhava.