Um rapaz, de vinte e poucos anos, despido da cintura para cima, com baba que escorria de sua boca até seu pescoço, deitado de bruços numa calçada de uma avenida muito movimentada da cidade com um gramadinho baixo, acorda respirando com dificuldades, um pouco atordoado, começa a olhar tudo ao seu redor. As pessoas que passavam por ali sequer o olhavam, algumas desviavam o caminho, pois estava sujo e e tinha cara de ser bandido ( não sei como explicar esse negócio de cara de bandido, mas as pessoas de tão assustadas com a violência chegam ao cúmulo da autodefesa criando arquétipos de que o que não é igual ao mocinho da televisão certamente é mal caráter). O jovem senta-se colocando suas costas contra uma parede e começa a chorar, e mesmo assim as pessoas continuavam a ignorá-lo, talvez a pressa, talvez o medo, talvez só a boa e velha indiferença mesmo, pois afinal não era um do circulo afetivo delas.
Seu nome era Dimas estava ali porque era um usuário de drogas, sua família o expulsou de casa já fazia uns dois anos. Até que tentaram ajudar bastante o rapaz, mas quando se é pobre, assalariado, peão é difícil ter uma pessoa em casa que pegas tudo para trocar por pó. Chegava a ser agressivo com a própria família. Mas o fator que o tirou de casa foi que em uma de suas crises de abstinência ele pegou uma faca e colocou contra o pescoço da própria mãe exigindo que a pobre senhora lhe dissesse onde estava o dinheiro... Por sorte seus dois irmãos estavam em casa, imobilizaram-no, tiraram a faca de sua mão e depois lhe deram uma baita surra. Quando o pai chegou disse que ele não era mais filho dele e que se voltasse àquela chamaria a polícia.
Aquele dia foi fatídico para Dimas, ele chorou muito, não gostaria de ter feito o que fez, se pudesse escolher não querer a droga...Em pensar que tudo começou numa festa em sua comunidade onde um amigo o chamou para curtir um barato... Bom mas agora era o que era um nóia, um drogado...
Várias vezes depois que saiu de casa tentou arrumar um trabalho, dizia que não tinha onde dormir, que estava desamparado, mas obviamente nunca falava de seu vício, mas este nunca passava desapercebido mais de que uma semana, pois por conta dele roubava dinheiro de colegas e quando a administração dava sopa aproveitava as oportunidades. Como consequência, obviamente, não parava em emprego nenhum. Tinha a facilidade de sair de um e arrumar outro, mas após tantas mancadas seu filme começou a ficar queimado na praça e logo já era visto como mais um nóia que não merecia chance nenhuma.
Enquanto pulava de galho em galho em serviços e conseguia o mínimo para usar o pó Dimas ficava de boa, nem fazia muita questão de comer, se vestir, ter uma cama ou qualquer destas futilidades que as pessoas “normais” têm. Mas quando a grana começou a faltar não teve jeito, do pó teve que partir para a pedra, afinal mais barata e mais potente, é o que tinha para o momento.
Aí ele já estava mais de que perdido, descolou um berro e meteu as caras. Para sustentar sua vontade insaciável da pedra roubava qualquer pessoa que parecesse que tinha alguma coisa. Tudo para ele era moeda de troca para uma pedra, celular, camiseta, blusa, tênis, tablet... E quem desse sopa, perdia para Dimas.
No momento em questão em que acordava de uma crise de overdose da noite anterior deitado na tal avenida, chorava sentado pensando no que se tornara, como pode ter caído tanto, pensava na mãe, no pai e nos irmão, queria saber se eles estavam bem, queria saber se um dia seria perdoado por ter feito tanta merda, queria não estar mais vivo, pois não poderia chamar aquele estado deprimente de vida.
Teve uma resolução em sua mente, naquele dia não usaria mais drogas... Mas já tinha se prometido isso tantas vezes, prometia isso a si mesmo muito antes de sua família o expulsar de casa... Se levantou e começou a caminhar. Onde ia? Que diferença faria ficar ali e esperar a morte ou andar rumo a lugar nenhum. Não tinha amigos que o aceitassem, não tinha família, não tinha casa, decidiu então ir para uma praça que ficava a dois quilômetros dali.
Anoitecera, e Dimas estava sentado num banco da praça. Algumas pessoas que saiam de uma igreja próxima viam o rapaz, sem camisa, com a calça toda suja, imaginavam que ele estava com frio ou com fome, mas a maioria continuava seu caminho pedindo a Deus que cuidassem daquela pobre alma. Um rapaz de se aproximou dele, lhe deu uma blusa para que ele se cobrisse e trazia um saco de papel engordurado. Coma, disse o rapaz e foi embora. Dimas sorriu e uma lágrima caiu de seu rosto diante da ação do rapaz. O rapaz foi embora, talvez por ter algum compromisso, ou talvez porque achou que já tinha feito o bastante e que já poderia garantir a salvação de sua alma com tal gesto.
Dimas comeu, tentou dormir no banco da praça,já era uma hora da manhã, mas não conseguia relaxar, pensava na pedra, queria a pedra, de um jeito ou de outro. Olhou ao redor vendo se havia alguém que pudesse roubar, mas o lugar estava totalmente deserto, decidiu ir então para o farol de uma avenida, para tentar pegar um carro ou uma moto que fosse parar no sinal vermelho. Um sedan luxuoso pára com os vidros fechados, ele pega um paralelepípedo e bate com a pedra no vidro do motorista. Um homem de aparentemente quarenta anos abre a porta do passageiro de dentro do carro, puxa uma arma, aponta e dá dois tiros na cabeça do rapaz.
O homem fecha a porta do carro que sai cantando pneu.