-COF, COF, COF, COF.
- Tião... Di novo com essa tossi homi, cê não falô que ia passar no médico onti?
- COF, COF, Qué isso muié...COF, isso aqui não é nada não, cê que tá fazeno tempestade em copo d’água.COF, COF..
-Isso é nada?! Tá pareceno um cachorro com esta tosse toda hora, cê tem que se cuidá Tião.
-Tereza, eu tô bem, é só uma tosse veia besta, cê vai vê que no mais tardá amanhã já tô bom.
-Tião, já vai pra mais de uma semana que cê já tá assim e fica dizendo a mesma coisa todo dia... Saúde em primeiro lugar, Promete que hoje sem falta cê passa num médico, mesmo que num seje nada, tô preocupada.
- COF, COF, Hoje depois do trabalho passo no hospital,COF, COF, cê sabe que eu num posso faltá que eles descontam o dia, e depois este dinheiro fais falta no fim do mês...
Tião tomou um gole de café e se levantou .
-Tião come mais alguma coisa.
- Num dá tempo...COF, COF, Cê ficou com essa conversinha mole...COF, COF, nem tomei café em paz.
-Mas num esquece de passar no médico, que essa tosse tá com cara de ser coisa séria.
Tião sai de casa, vai até o ponto de ônibus, espera a condução durante trinta minutos, tossindo constantemente. Sente-se cansado, fraco, mas lembra-se de suas necessidades, de suas contas, da mulher e dos dois filhos, um de doze e outro de nove anos. Embarca no ônibus. Estava cheio, respirava ofegantemente, tossia. Passou a catraca. Alguém condoído com sua situação lhe sede lugar. Após uma hora de viagem o coletivo chega no ponto que Tião desce.Ele dá sinal, se espreme entre as pessoas e desce.
Trabalhava em uma metalúrgica, já fazia cinco anos que estava lá. Uma empresa de pequeno porte, com vinte funcionários. O lugar era abafado, sujo, ele inalava bastante fumaça por mexer constantemente com metais que eram derretidos em caldeiras imensas. Não possuía registro em carteira, assim como a grande maioria de seus colegas, seu chefe o convencera que não era vantagem nem para quem contrata e nem para quem é contratado, pois afinal, para que pagar impostos quando não se vê benfeitorias sociais. E Tião aceitava, pois nunca até então o patrão falhou com ele no dinheiro, sabia que podia confiar que o seu estaria garantido no fim do mês.
Ao chegar na metalúrgica foi se trocar, e encontrou no vestuário um de seus melhores amigos no serviço, que percebeu o quanto Tião tossia.
-COF, COF, COF...
-Qué isso Tião, já vai pra mais de uma semana cê tá quessa tosse.
- COF, COF, Agora pronto, cê também agora tá dando uma de doutor Neco... COF, COF. Já num chega Tereza em casa e agora... COF, COF, COF Cê também vai implicar com minha tosse Neco?
- Homi, só tô avisando, cê parece que num tá nem aí... Se tu ficá doente comé que fica sua muié e seus fios, Acho que se num tinha nem que tá aqui trabalhano.
-COF, COF, Tirando a tosse...COF, COF... Tô bem, quando sair daqui dou uma passada no médico, o máximo que vai me pedi é pra tomá um xarope.
Tião realizava suas tarefas com certas dificuldades, ficava ofegante, tossia, parava um pouco, sentava, voltava a trabalhar, transpirava mais do que de costume, sentia frio, dor no peito. Foi levando o serviço até o fim do dia.
Ao final do expediente foi para o ponto de ônibus. Pegou uma condução que fazia o caminho do hospital. Quando o coletivo passou lá na frente ele desceu, e caminhou.
Viu o lugar cheio de gente, gritos de dores, sirenes de ambulância que chegavam a cada minuto, crianças chorando, um corre-corre de médicos e enfermeiros, pessoas deitadas em meio a corredores gemendo como se quisessem inibir a dor.Esperou ainda uma hora e nada de sequer o chamarem para uma simples triagem. Tião imaginou que se ficasse ali era capaz de virar a noite naquele lugar e ainda não ser atendido de tantas pessoas que tinham no hospital. Resolveu então sair dali, pois no dia seguinte teria de trabalhar.
Resolveu passar em uma farmácia ao sair do hospital, pediu ao farmacêutico um xarope, o atendente o deu um e alertara que se os sintomas continuassem ele deveria passar em um médico. Tião pagou o remédio e saiu.
Foi para o ponto de ônibus para pegar o ônibus para casa. Vinte minutos depois passa um que fazia o itinerário, estava pouco cheio, foi em pé, tossindo, desta vez ninguém foi caridoso em deixá-lo sentar-se, foi em pé e tossindo durante a viagem.
Chegou em casa, sua esposa já foi perguntando:
-E aí Tião passou no médico? Que que ele falou...
Constrangido em dizer que não fora, disse:
-Ah,COF, COF... Passou este xarope aqui...COF, COF. Falou que num era nada demais, e que podia trabalhar amanhã se continuasse tomando o xarope COF, COF.
Tereza ficou olhando, achando aquilo meio estranho...
-E os meninos, como é que tão na escola Tereza, COF,COF. – Disse Tião para desviar o foco da conversa.
- Bom o Pedro Tá cum poco de dificuldade em matemática, mas o Luiz tá ajudando ele. Fora isso num tem reclamação de nenhum dos dois.
Tião tomou o xarope, e de fato a tosse diminuía, mas os calafrios e as dores no corpo não. Fingia estar bem para mulher e para os filhos, e parecia estar tudo bem para eles, já que ele tossia menos. Mas os sintomas foram se agravando, de modo que as dores no corpo eram mais constantes, senti-se mal, vezes saia sangue de sua boca ou de seu nariz. Mas mesmo assim continuava no trabalho, não queria perder nenhum dia, e sabia que seu chefe era ruim de conversa, se fosse se queixar acharia que ele estaria fazendo corpo mole.
Sustentou a situação até onde pôde, mas num dia quando ia para o trabalho, desmaiou no ponto de ônibus, uma multidão se aglomerou em volta dele, e de boca a boca a notícia correu até chegar em sua casa. Tereza saiu correndo, deixando panela no fogo e tudo para acudir o marido. Passava pela multidão gritando, o nome do esposo em voz alta e chorando.
Dez minutos depois que ela chega perto de seu marido, chega uma ambulância. Os enfermeiros gritam pedindo para as pessoas saírem do entorno do enfermo. Colocam Tião na maca e pedem para Tereza acompanhar.
Ao chegar no hospital Tião já foi levado para o pronto socorro. Após uma série de diagnósticos, um médico vai em direção de Tereza e diz:
- O quadro do seu marido é grave, vamos encaminhá-lo para a UTI, ele deve ficar lá entre três e cinco dias... Se a senhora tiver fé, peço que reze pois faremos de tudo para tentar salvar seu marido.
Tereza em prantos, ajoelha no chão. Segura a mão do médico e diz:
- Dotô, pela amor de Deus salva meu marido...
Uma semana depois, Tião sai da UTI, apresentando melhoras em sua saúde. Neste dia Tereza vai com os filhos para visitá-los. Os três choram emocionados por ver que ele melhorara. E Tião meio envergonhado olha para Tereza e para as crianças, deixa uma lágrima corre também, e diz:
- Como é que cês tão se virando desde que fiquei aqui internado?
-O Neco juntou com o pessoal da metalúrgica e todo mundo feis uma vaquinha para ajudar a gente.
- Poxa, mas que amigão.
-Mais que isso Tião, Deus num esquece dos que precisa dele.
Neste momento o médico chega na sala e diz:
- Senhor Sebastião, como está se sentido hoje?
-Tô bem dotô, e num precisa dessas formalidade toda não, pode chamá de Tião mesmo... E quando vou podê i embora pra casa.
- Bom, pelos seus exames acho que daqui dez dias, mas quando voltar para casa deve repousar ainda mais pelo menos quinze dias.
Passados dez dias Tião volta para casa, recebe visitas dos amigos, vizinhos que também se preocupavam com eles. Descansa na sua cama. Sua mulher preparara uma sopa e o alimentava.
No dia seguinte já conseguia ficar de pé, e disse para sua esposa:
-Preciso ir lá na metalúrgica para dar satisfação, e dizer que volto trabalhar amanhã.
-Homi de Deus, cê num viu que o médico falou que se ainda tem de descansá.
- Que descansá o quê, o que fiz nesses últimos dias foi só ficá deitado, trabalhá fais bem.
Tião foi até a metalúrgica para conversar com seu chefe, subiu as escadas e foi até o escritório. Bateu na porta e foi entrando e dizendo:
- Oh seu André, bom dia.
-Oh seu Tião, como que o senhor tá.
-Tô bem, vim aqui pra falá que amanhã já tô devolta.
-Poxa seu Tião, infelizmente o senhor num trabalha mais aqui... Enquanto cê tava no hospital, tive que contratar outra pessoa pra dar conta do serviço que tinha que entregar, e outra o rapaz novo, o tal de Zeca da mais produção que você, então...
-Oche, isso tá errado, trabalho pro senhor cinco anos e o senhor me manda embora com uma mão na frente e outra atrais.
-Olha, num vou discutir, o senhor que quiser que procure seus direitos, porque eu tenho um monte de coisas pra fazê.